Os portais para o passado


Salão Vitória em Maceió. Mas poderia ser em Havana

Em Maceió, no bairro da Levada, existe uma barbearia chamada Salão Vitória. Cresci indo pelo menos uma vez a cada dois meses lá com meu pai cortar o cabelo. Sempre fiquei admirado como os anos se passavam e as coisas não mudavam ali. Creio que o proprietário, Seu Edinho, deva ter aberto o negocio ainda na década de 60. Depois disso, imagino que ele acrescentou às instalações do lugar apenas um pôster da seleção brasileira de 70, depois do Tri no México. Mais de 30 anos depois, volto lá no Vitória e compartilho com o meu amigo Carlos Nealdo a mesma sensação: ao entrarmos naquela barbearia, parecia que estávamos transpondo um portal pra o passado. Tudo parecia ter parado no tempo. O mobiliário era exatamente o mesmo, o inanimado e o vivo. Lá estavam Seu Edinho e alguns dos barbeiros de décadas atrás. Em um dos bancos de espera, a mesma pasta com modelos de corte de cabelo masculino tirados de recortes das revistas Cruzeiro ou Manchete, extintas há dezenas de anos.

Entrei em Havana de madrugada. As sombras e a parca iluminação não deixaram ver as marcas da deterioração. O cenário que estava sendo percorrido naquela atmosfera me deu a sensação de estar transpondo novamente um outro portal pra o passado. Só que dessa vez a dimensão era muito maior. Entendam que cidades antigas existem no resto do mundo, muitas mais velhas que Havana, mas em quais delas ainda estão em atividade cotidiana carrões com mais de cinqüenta anos? E dentro daqueles prédios, quando uma porta ou outra estava aberta, dava pra ver que seu miolos eram recheados de relíquias, tais quais as da barbearia do Seu Edinho.

Laura no Hotel Sevilla

O primeiro ‘amigo’ cubano -o motorista do microônibus chinês- me largou com Laura no hotel e sumiu no meio do breu. Escolhi ficar no Sevilla, localizado no bairro de Centro Habana, perto do que é mais antigo na cidade. Esse hotel foi inaugurado há exatamente um século e está primorosamente restaurado e conservado. Antes de subirmos pro nosso quarto ainda deu pra ver numa exposição no lobby que entre alguns dos hóspedes famosos, esteve lá nada menos que Al Capone. O mafioso na década de 30 havia tomado todo o sexto andar do hotel pra se hospedar junto com seus asseclas. Em outro quadro fiquei sabendo que quando estourou a revolução socialista, o então dono do hotel, um outro obscuro mafioso de origem uruguaia fugiu e não ficou pra ver quando as massas populares invadiram suas instalações pra promover um quebra-quebra na área onde ficava um cassino. Dias depois, Fidel em pessoa veio até o Sevilla pra dar a sua bênção aos funcionários do hotel que resolveram tomar conta do estabelecimento em cooperativa. Socialismo de resultados. Depois da aula de história expressa, fui dormir ainda com a sensação do portal.

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